O canto de Suindara
Tudo corria na mais perfeita ordem. Os dias passaram a serem
todos iguais, moradores do palácio sempre acordavam, banhavam-se, tomavam o
dejejum e partiam para seus afazeres diários. Avó e neta, sempre, empós as
refeições se recolhiam em uma das salas de piano, lá, ficavam até a hora do
almoço. Após o repasto tiravam suas sestas costumeiras; em seguida, iam para a
sala de costura onde bordavam e falavam sobre coisas amenas. Apenas as
segundas-feiras a rotina era alterada, já que pela manhã, a viscondessa, tinha o
hábito de receber seus administradores, contadores, advogados, compradores dos
produtos que suas vinícolas e quintas produziam fornecedores de produtos. Já na
sexta-feira avó e neta iam a um orfanato, onde a velha senhora fazia doações,
doava quantias enormes de dinheiro. Possuía um espírito beneficente e gostava
de passar isso para a neta. A velha sempre dizia em suas visitas: Veja filha, o
problema de muitas pessoas abastadas é que elas pensam apenas em si. Isso é
errado! Pois se temos condições de ajudar ao próximo deveremos fazer isso. Esse
é um dos dez mandamentos de Nosso Senhor: Amar o próximo como a ti mesmo! Em
raras ocasiões as duas deixavam as dependências do palácio para fazerem
visitações de quaisquer fundos, sejam elas formais, de cerimônia, de
compromisso e visitas de afeto.
A noite passada havia
sido atípica, porquanto, por volta das dezoito horas ancestres e neta se
arrumou e partiu rumo à casa de um velho amigo da viscondessa. Tratava-se do
palácio do barão e da baronesa de Açores; velhos amigos da viscondessa e do
falecido marido. Foi uma noite alegre de folguedo. Beberam, falaram coisas
amenas, discutiu política, arte, gastronomia; porém, por volta das vinte duas
horas regressaram para casa. A noite estava linda. Uma bela lua cheia clareava
tudo, no céu não havia uma nuvem sequer. Estrelas salpicadas na abóbada celeste
pareciam joias; o dia parecia brindar avó e neta com aquele lindo luar. Assim
que entraram em casa e foram para seus aposentos; a viração mudou e uma chuva
torrencial caiu sobre toda Lisboa. E um nevoeiro recaiu sobre todo o lugarejo.
–– Meu Deus, como
pode?! Agora mesmo a noite estava lindíssima, na verdade, não havia sequer
sinal de chuva e agora essa tempestade. –– Disse a menina Helena enquanto era
colocada na cama pela criada.
–– Pois é, senhorita! –
Respondeu Magnólia, sua criada pessoal.
Helena deitou-se e não
tardou a pegar no sono. A chuva durou a noite inteira, mas na manhã seguinte,
quando a menina abriu os olhos, a chuva havia passado deixando apenas o
nevoeiro. Por volta das oito horas da manhã Magnólia adentrou o quarto, abriu
todas as janelas e portas francesas, depois seguiu para o leito e abrindo o
pesado acortinado do dossel disse:
–– Bom dia,
mademoiselle!
Helena se espreguiçou e
com um lindo sorriso meneou:
–– Bom dia, querida
Magnólia. – Ela afastou as cobertas e se apoiou sobre os travesseiros. –– Parou
de chover! Ou ainda chovendo?
–– A chuva cessou sim,
mas há uma pesada bruma. – Respondeu Magnólia que ajudava a menina a se erguer
da cama. –– Creio que o dia será assim o dia inteiro.
–– Por que você acha
isso? –– Indagou Anna Helena que há essa hora já estava com os pés calçados no
chinelinho de pelúcia.
–– Aprendi com os
negros, lá no Brasil, há ler o tempo.
–– Às vezes me esqueço
de que você possui sangue de africano.
As amigas caíram na
gargalhada. Uma hora depois, Anna Helena, já se havia banhado e estava vestida,
preparada para o dejejum. Antes de descer a escada Helena parou diante de um
espelho, que ficava pendurado sobre um aparador, no final do corredor.
–– E minha avó, já
desceu?
–– Até a hora a que vim
ajudar-te, ela não havia descido, mas agora, já não sei.... Creio que já tenha
descido, sim!
Depois de todo ritual
de preparação Anna Helena e a criada desceram para a sala de jantar. Achou
estranho quando lá chegou e não encontrou a avó a cabeceira. Assustada foi à
cozinha, imaginando que poderia encontrá-la lá. Sem obter qualquer resposta
correu de volta para a escadaria, e após subir dois lances de escada e caminhar
alguns minutos, a jovem, acompanhada de Magnólia, bateu na porta do quarto.
–– Vovó... Vovó... ––
Gritava ela desesperada sem saber o que fazer. A porta estava trancada e ela
era apenas uma menina. Mandou que chamassem o jardineiro, para que pudesse
desobstruir o caminho.
A porta foi arrombada. Anna
Helena caminhou pelo aposento, em passos arrastados, pé ante pé, parecia
pressentir o pior. Seu coração começara a palpitar, sentira um aperto, uma dor
aguda que a deixou moribunda. Arrastando-se pelo cômodo foi aproximando-se do leito,
onde a avó ainda mantinha o dossel fechado. Seus olhos encheram-se de lagrimas
e com uma voz semicerrada murmurou:
–– Vovó... Vovó... A
senhora está aí? Está tudo bem? –– A essa altura Helena estava parada diante do
acortinado. Com uma das mãos ela se apoiava no jardineiro e a outra começava a
puxar as cortinas. Ela tentou mais duas vezes manter contato com a avó. De nada
adiantou. Ainda com temor do que poderia achar, do lado de dentro das cortinas,
ela se virou mais uma vez para a governanta e concluiu. –– Tens certeza, que
minha avó não se levantou cedo e foi à casa de algum amigo?
–– Oui, mademoiselle... Votre
grand-mère n'a pas se lever tôt! si cela était arrivé je sais, puisque je suis
le premier à me lever dans cette maison. La cloche qu'elle utilise pour appeler
les domestique est par La porte de ma chambre!
–– Desculpe-me, senhora
Suzane. –– Helena virou-se para a governanta e de forma imperativa disse. –– A
senhorita poderia falar em minha língua, porquanto, não estou com cabeça para
traduzir o que diz.
––
Excusez moi mademoiselle! –– A
governanta, que até então estava sobre o umbral da porta, adentrou o quarto e
parou diante do jardineiro –– Sim, senhorita.... Creio que vossa avó não se
levantou cedo. Se isso houvesse acontecido eu saberia, já que, sou a última a
me deitar e a primeira a me erguer. Além do mais, sou eu mesma quem cuida do toilet da viscondessa.
Helena ficou ainda mais
tensa com a última frase da governanta. Do outro lado do acortinado não se
ouviu um gemido, um planteado, um clamor... um som que denotasse vida! Leninha,
então, puxou a cortina do sobrecéu e se deparou com a cena mais dantesca,
aterradora, que seus olhos de guria viram até aquele momento. Sim, ela viu o
corpo de sua avó, ali, caído, e quase sem vida. A viscondessa já possuía uma
figura cadavérica, mórbida, o viço rosado de sua pele, o tom rosáceo de seus
lábios havia perdido todo o tono vital. Nem de longe lembrava aquela senhora,
que senhora? Uma dama com talhe grandioso, imperial, de olhos âmbar. Com um
olhar ímpar; olhos que demonstravam muito mais que apenas uma mulher fútil,
arrogante, autoritária. Demonstrava empáfia, contudo, grande generosidade e
doçura. Helena buscava em sua mente a lembrança de quando havia visto a avó
destratar alguém, nem mesmo com seus subordinados, criados e pessoas estranhas;
sempre tão educada, gentil, doce e faceira em seus diálogos.
Aproximou-se da cama,
afastou os lençóis e tocou-lhe a face. O rosto estava frio e a pele com uma
palidez mórbida, os lábios gélidos e roxos. Nem mesmo em seu sonho mais remoto
desejou viver para ver aquilo. Como podia sua avó está morta? Perguntava-se.
Não conseguia acreditar! Pulou sobre a cama. Sentou-se junto à cabeceira e
tentou puxar o corpo inerte para seu colo. Tentou uma, duas, três vezes; mas
sem obter nenhum resultado pediu auxílio ao jardineiro, que a ajudou sem
demora. Com a ajuda do criado ela conseguiu puxá-la para junto de sim. Naquele
mesmo instante seus olhos se encheram de lágrimas, e a menina não conseguiu
conte-las. O quarto ficou repleto de criados; por que, assim que a notícia: de
que a viscondessa estava mal, chegou à cozinha. Todos, quando digo todos, são
todos mesmo! Os criados deixaram seus afazeres e correram para o andar
superior. A viscondessa sempre fora uma boa patroa; jamais, deixara faltar nada
a seus subordinados. Em uma de suas boas ações: pagou o velório e o jazido da
mãe de uma de suas criadas. Em outra ocasião: pagou todo o tratamento médico do
filho do confeiteiro, que fazia seus doces favoritos. E olha, que nem funcionário
sua era. O mancebo trabalhava em uma das confeitarias mais famosas de Lisboa.
A casa ficou uma
balburdia só. Os criados não sabiam o que fazer, corria para cá, para lá,
atordoados, muitos se pegaram a Deus. Outros a seus santos de devoção, durante
apenas aquelas primeiras horas do dia, os criados haviam acendido mais velas no
oratório da casa que durante um mês de sarau. Tamanho era o temor de perder sua
senhora.
–– Meu Deus... ––
Murmurava um enato subia as escadas. –– O que será de nós? Não deixe que nossa
senhora morra... –– Dizia o criado entre choramingo e gemidos –– precisamos
muito dela aqui!
A antessala, que ligava
o toucador à alcova, onde ficavam os oratórios com imagens de diversos Santos
foi tomada, pelas criadas que ajoelhadas oravam. Muitas aos prantos rogavam à
Santa Rainha Isabel, que salvasse sua patroa. Outras oravam o terço, os
rosários se apegaram a qualquer santo que fosse. Leninha pegou o braço da avó e
verificou se ainda havia algum sopro de vida; não demorou muito para constatar
que a senhora vivia. Helena, então, mandou que abrissem todas as portas e
janelas do quarto.
–– Abram, abram! ––
Berrava ela –– Por favor, abram todas as janelas... ela precisa respirar! ––
Uma a uma, janelas e portas francesas, começaram a ser abertas.
Uma brisa fresca e
reconfortante tomou conta do ambiente retirando todo aquele ar pesado e
mórbido, que havia no quarto.
–– Já vou senhora! ––
Disse ele, enquanto deixava o aposento.
–– Vá... vá. Senhor
Joaquim, vá depressa –– disse Leninha, enquanto acariciava o rosto da avó. –
Magnólia.... Pegue mais cobertores; ela está com muito frio –– lembrou-se da
cena que havia visto ainda menina: a morte de um escravo velho lá na senzala de
sua fazenda: – Meu Deus! Por que isso, agora? Estávamos tão felizes?!
Magnólia trouxe os
cobertores mais depressa que pode.
–– Querida, prometa-me
algo? –– Disse a viscondessa, ainda na expiação da morte, agonizando.
Uma sensação trevosa fez
com que todos se arrepiassem, deixando-os apavorados. Avó e neta viram o
espírito da morte rondando o cômodo, e quando ele passou entre os domésticos;
detendo-se junto à cabeceira da cama. A espreita ansiando, apenas, uma
hesitação da moribunda para ceifar-lhe à vida. Mas a grande fidúcia que possuía
em Deus a fez acreditar, que nenhum mal lhe aconteceria. Foi nesse instante que
viu uma forte luz aparecer diante de seu leito, e de seu átrio uma criatura
surgiu; envolto em uma luz forte e reconfortante, parecia feliz, surgira entre
a luz com um sorriso. Sim, era o falecido visconde. Porém não possuía a mesma
aparência de quando morrera; a viscondessa lembrava-se do marido ainda deitado
dentro do caixão. Mas por obra da natureza, ou dos ares celestiais, o falecido
visconde, aparecera diante de seus olhos, com vida, como se não houvesse de
fato morrido. Seus olhos transbordavam luz, vida e alegria. Nem de longe
parecia o velho visconde que fora enterrado há anos. Seu semblante duro e
obstinado, sua aparência envelhecida, havia desaparecido; mas uma figura
bonita, alta e galante havia surgido. O visconde estava tão mudado, que Helena
não lhe havia conhecido. –– Sentes o cheiro de jasmim? –– Indagou a governanta
da casa, outra criada que estava próximo a ela.
–– Oh, se sinto! ––
Respondeu a camareira. –– E parece-me que até a áurea desse quarto mudou?!
Antes estávamos todos os sentidos calafrios, e a temperatura aqui estava mais
baixa que em outros cômodos.
–– Vossa mercê também sentiu
Bernadette? Achei que estava ficando louca. –– Meneou outra criada.
–– Pois é, parece-me
que algo aconteceu nesse quarto. –– Disse a governanta em tom de prece –– Pois
o frio mórbido foi trocado por uma temperatura mais amena. E agora estou
sentido um cheiro de flores silvestres... E olha que estamos um pouco longes
dos campos.
–– De onde pode ter
vindo esse cheiro? –– Arrematou outra criada.
–– Veja como a
viscondessa sorri. Credo em cruz!
Foi então que a viscondessa olhou para a menina e
disse, entre dentes, pois temia que os criados as ouvissem.
–– Veja minha querida... esse é seu avô. Quer
dizer?! –– Os olhos dela se moveram rapidamente dentro do globo ocular. –– Esse
é seu avô na juventude. Quando nos casamos ele era exatamente assim. –– A
imagem sorriu novamente para as duas. –– Ele era galante, não era querida?
–– Oh, se era?! –– Helena sorriu –– Ele é lindo e
seu sorriso, é ainda mais bonito...
A imagem era
de um rapaz galante, com vestes brancas, acompanhado por mais duas pessoas.
Decerto, amigos da luz, que vieram buscá-la. Emocionada não conseguiu conter as
lágrimas; não tardou para que seu rosto ficasse coberto por lágrimas. A menina
havia visto, também, os espectros. Assusta e com medo de que os criados saíssem
correndo calou-se. O visconde ainda jovem se aproximou da cama olhou para a
neta, para a esposa, e estende-lhes a mão. Em um primeiro momento, a
viscondessa, temeu, mas depois viu que era o mais certo a fazer. Até porque ele
não estaria ali se não fosse para buscá-la. Os olhos da menina se encheram de
lágrimas, quando o falecido visconde, colocou a mão sobre seu ombro,
inundando-a de uma sensação maravilhosa. Seu corpo que até então estava frio
esquentou-se. A alma olhou-a nos olhos e sorrindo disse: Não temas minha cara.
Sei o quanto amas sua avó, mas, é chegada a hora dela partida. Já tendo
cumprido sua trajetória aqui, no Plano Terrestre, agora já é chegada a hora de
partir.
–– Levante a mão! ... –– Helena ergueu-a. ––
Prometa-me diante de meu leito de morte e perante nossa Senhora de Fátima... ––
Disse a viscondessa com uma voz entrecortada... –– Que jamais deixará de ser
feliz... tu ainda és uma menina. Todavia, quando se tornar uma senhorita, e
regressar ao seio de sua terra, algo lhe sucederá! Algo que mudará
completamente o rumo de sua existência. –– A velha deu mais uma pausa, no que
dizia, e concluiu –– Jamais deixe que alguém conduza sua vida. Pois quem conduz
o teu e o meu caminho é o nosso Senhor e Criador, Jesus de Nazaré. Cuidado com
as armadilhas do coração. Respeite as ordens de tua mãe, visto que somente
assim terás vida boa e longa na terra. É o mandamento de Deus: “Honrar pai e
mãe, para que seus dias se prolonguem na terra! ” – Essas foram suas últimas
palavras, desfalecendo em seguida. Assustada Helena começou a sacolejar a
viscondessa freneticamente como se aquilo a trouxesse de volta.
–– Não adianta sinhá... essa é a vontade de Deus
Pai. Não podemos fazer nada, apenas rogar por sua alma –– disse Magnólia
chorando a par.
–– Cale a boca.... Pois tu não sabes o que dizes! ––
Disse Leninha, aos prantos. –– Saía daqui, agora! ... vai ver se o médico
chegou?! –– A escrava saiu, deixando-a a sós. Assim que a escrava fechou a
porta, a viscondessa recobrou os sentidos e disse-lhe:
–– Não precisa gritar com a moça, ela tem toda a
razão... O Criador me chamou! –– A viscondessa virou para o lado. Os olhos
toscanejaram e, por fim, deu seu último suspiro.
–– Vovó... Vovó... não morra, não, vovó... por
favor! Quem cuidará de mim?
A última visão que a menina teve da avó: foi ela
saindo de mãos dadas, ao jovem visconde, pelas portas francesas. Depois disso a
viscondessa desapareceu dentro da luz, assim como os outros seres.
Quando o médico chegou, foi apenas para reafirmar o
que todos já sabiam, a viscondessa havia morrido. D’Anna havia partido, e
agora, o que seria de Helena?! Pobre menina, não sabia o que fazer sua vida
agora era uma incógnita; sentia-se perdida, em um país que se quer era o seu.
Seus parentes, mais próximos afetivamente, estavam a milhas de distância, um
longo e extenso mar os separavam. A menina sentia como se tivessem enfiado uma
adaga em seu peito, era uma dor muito grande e forte, primeiro perdera o pai e
agora a avó.
Logo após a
partida do médico, a menina Helena, deixara o quarto e fora à cozinha. Lá
ordenou para que o cocheiro fosse buscar o advogado da família. O senhor
Juscelino, não tardou a chegar, cuidou dos preparativos para o velório e
sepultamento; mandaram emissários a todas as províncias de Portugal, onde é
claro, a viscondessa possuía semelhantes. Depois que o advogado deixou a casa;
Helena seguiu para seus aposentos, onde se trancou. Chorou a tarde inteira. No
quarto, onde estava o corpo inerte de sua avó, ficaram apenas as criadas que
foram incumbidas dos preparativos fúnebres. Depois que lavaram a resposta
mortal, vestira-lhe uma mortalha negra de cetim; e a viscondessa foi posta em
seu caixão. Depois o caixão foi posto sobre a mesa de jantar, onde eram realizados
os funerais. Foi, apenas, no início da noite, por volta de sete horas da noite,
que as primeiras pessoas começaram a chegar à mansão. Pessoas de todos os
lugares de Lisboa, indivíduos, que queriam render suas últimas homenagens à
viscondessa.
–– Meus pêsames, senhorita Helena –– murmurou a
baronesa Victória.
A noite passou. No dia subsequente, assim que o sol
nasceu, saíram todos por Lisboa em uma romaria, até à igreja central. Antes do
sepultamento foi realizada uma missa, de corpo presente, e o corpo foi
sepultado na cripta da igreja. Depois seguiram todos, os parentes, para a
mansão da viscondessa. No dia seguinte as tias e primos regressaram a suas
províncias. Abandonando, tão somente, Leninha na casa. Nos seis dias
posteriores, ao velório, a guria passou dias e noites chorando, não comia, não
queria se banhar, nem mesmo saía do quarto. A princípio deixou os criados
assustados, temiam que ela morresse de consternação e depressão. Deixou seu
aposento, somente, em parcas ocasiões; sendo para ir à biblioteca, a casa de
banho, a cozinha, falar com alguma criada, ou no dia que foi realizada a missa
de sétimo dia, na Basílica do Coração de Jesus. Mas trancou-se novamente, em
seus aposentos, após a missa. Durante aquela noite não conseguiu dormir, passou
a noite lamentando-se, tentando digerir os episódios dos últimos dias.
Helena teve uma grande surpresa quando foi acordada
na manhã seguinte por Magnólia, a criada, lhe disse: que o advogado a aguardava
no escritório dentro de alguns minutos. Ela ergueu-se, vestiu-se e seguiu para
o escritório; assim que abriu a porta deparou-se com Juscelino sentado, na
cadeira da escrivaninha.
–– Bom Dia, mademoiselle...
–– Assim que avistou a menina o criado se ergueu em sinal de respeito. –– Como
tem passado?
–– Bem, nobre senhor Juscelino! –– Afirmou enquanto
se acomodava na marquesa. –– Claro, que conforme Deus quer...
–– Bom, saber que a senhorita está melhor. Estava
justamente esperando sua recuperação, pois precisamos tratar de negócios
importantes. –– O advogado abriu uma valise e de dentro retirou um envelope
pardo.
–– Pois, não senhor? –– Disse ela ainda consternada
pela noite passada. –– O que o trouxe aqui, a esta hora?
– Desculpe-me, senhorita, por incomodar-lhe a essa
hora do dia; mas fui encarregado por sua avó, “que Deus a tenha”. Antes de
morrer havia dito: que se morresse antes do regresso da senhorita ao Brasil.
Era para mandá-la imediatamente ao colégio de freiras... como havia prometido a
sua madre, devo cumprir. Agora mesmo!
–– Oh, meça... – Murmurou ela. –– Como assim? Terei
que ir para um colégio de freiras?!
–– É isso mesmo, senhorita!
–– Eu tinha conhecimento que teria que ir para o
colégio, mas acabei de perder a minha querida avó?! Não posso nem mesmo esperar
passar o luto?
–– Sinto muito... –– Meneou-o. –– Mas isso foi
planejado com sua mãe e ela pediu que assim fosse.
–– Está! Mas o que devo fazer agora?
–– Apenas suas malas!
A menina deixou o cômodo correndo, seguiu pelos
corredores, aos prantos. O mundo havia desmoronado diante de seus olhos....
Ficara desnorteada, sem saber o que fazer! Caiu no choro, jogando-se sobre um
canapé, disse:
–– Essa foi à última vontade de minha avó? ––
Perguntou ela, enquanto secava o rosto.
–– Sim, senhorita! Lamento, mas esse foi o seu
pedido.
–– Com licença?
–– Mas isso não é tudo, em seu testamento. A amada
viscondessa deixou-lhe boa parte de sua herança! Incluindo está casa, a casa do
Douro, a casa de Sintra, joias de família, uma quantia considerável de dinheiro
e três milhões em barras de ouro, no banco de Lisboa.
Após a réplica Helena saiu desnorteada pelos
corredores, aos prantos, teria que respeitar o testamento; não tinha para onde
nem para quem recorrer. Para piorar, a situação, estava sobre a tutela do
advogado. Durante toda tarde e noite passou arranjando suas coisas; partiria no
dia seguinte, assim que o sol abrolhasse no horizonte. A noite passou. No dia
seguinte, ainda nas primeiras horas do dia ela e Magnólia partiram para o
colégio de freiras. Onde seria sua moradia nos próximos anos.
***
Os dois primeiros meses, em que passou no colégio,
foram para ela a mesma coisa que ser sepultada viva. Era realmente difícil para
uma sinhazinha, como ela, que estava acostumada à vida agitada da nobreza; se
acostumar com uma vida simples sem luxo. Regada às compras, passeios,
convescotes, saraus e idas a teatros para assistir a peças, óperas. Deixar de
uma hora para outra a vida agitada e mergulhar em uma vida de clausura e
orações; mesmo para ela que não perdia uma missa dominical, ao lado da
viscondessa, e obedeciam às leis da Igreja, era difícil...